Trabalho e prazer
Clotilde Tavares | 30 de setembro de 2009Tem gente que adora o que faz no trabalho; outros odeiam, mas ganham muito bem, e continuam fazendo. A sabedoria popular é quem diz que “quem faz o que gosta não precisa trabalhar”. Mas infelizmente muitas vezes não é possível trabalhar naquilo que gostamos. Em épocas de crise como a nossa, precisamos trabalhar no que aparece e não naquilo em que preferiríamos.
A necessidade de refletir sobre o trabalho é imprescindível para viver bem nos dias de hoje. O mundo do trabalho, dos empregos, está mudando. Um conceito que prevalece mais e mais a cada dia no mundo dos negócios é o conceito de “trabalho prazeroso”. Isso quer dizer que só vale a pena trabalhar se esse trabalho der prazer. O empresário antenado com as mudanças não está mais interessado no “empregado”, que é aquele que “se puder, trabalha menos”. O interesse hoje é no “empreendedor”, que é aquele que “se puder, trabalha mais”.
E qualquer um de nós só trabalha além do mínimo se gostar do que faz. Os empresários estão procurando para contratar pessoas que trabalhem como os artistas. Ora, como é que um artista trabalha? Um cantor, um músico, um ator, um artista plástico, geralmente se entregam à tarefa que fazem – cantar, tocar, atuar, pintar – com um grande prazer e uma dedicação integral.
Você já reparou como é apertada a agenda de muitos artistas? Já reparou que eles trabalham num ritmo que muitos de nós, simples mortais, jamais pensaríamos em conseguir no nosso trabalho normal? O que acontece é que na nossa sociedade, há um grande preconceito contra o trabalho prazeroso. Desde que Adão foi expulso do Paraíso com as palavras terríveis “Comerás o pão com o suor do teu rosto” ainda ecoando nos ouvidos que o homem associa o trabalho com o sofrimento e o sacrifício.
Isso se complica quando um jovem quer trabalhar em coisas que, para a geração mais velha, não são necessariamente “trabalho”. Quando um jovem resolve ser músico, o pai pergunta: “Tudo bem. Mas quando é que você vai arranjar um trabalho de verdade?” Isso é dito como se tocar profissionalmente não fosse um trabalho muitas vezes mais cansativo do que frequentar uma repartição pública das oito às doze e das duas às seis. Ficamos também desconfiados quando vemos alguém feliz com o trabalho. Pensamos lá com os nossos botões: “Bem, se é tão agradável assim, não deve ser trabalho.”
Conheço uma jovem que é especialista em Biologia Marinha, e trabalha de biquini, pé de pato e máscara de mergulhador. A família não aceita essa atividade como trabalho e sempre se refere a ela como “as férias eternas de fulana”, muito embora ela ganhe mais dinheiro do que o seu irmão, que é advogado.
As empresas não estão mais interessadas em “mão de obra” mas em seres humanos empreendedores, felizes e criativos e isso só se consegue se o indivíduo estiver envolvido afetivamente com o seu trabalho. É preciso então seguir as inclinações do nosso coração, ao escolher algo em que vamos trabalhar, muitas vezes para o resto das nossas vidas. O trabalho que nos dá prazer é, assim, uma garantia de felicidade.
Desde a ínicio da minha vida, há uns 50 anos, eu sempre achei que trabalharia com arte e educação. Sou apaixonado pelo que faço. Procuro insistentemente me aprimorar sempre mais… essa parte do aprimoramento é que dá muito trabalho. Mas, sempre é prazeroso no final.
Amo ser professor.
Acho até que sei quem são a Bióloga e o Advogado… difícil é imaginar ele como advogado ! heheheh
Dona Clô, além disso tudo que você escreveu, lembro também que muitas vezes o simples fato de fazer o que gosta, mas num ambiente de trabalho ruim, comercial, patrão, mercado, prazo, cobrança e clientes, com o passar do tempo pode fazer com que você perca o gosto. Principalmente para quem trabalha com arte que vai ser avaliada por outros.
Curioso: você citou duas profissões que são justamente aquelas que “enxergo” quando penso no que meus dois filhos, hoje com 4 e 2 anos, poderiam fazer no futuro para ganhar (e viver) a vida: cecília de bióloga marinha feliz ao vento em algum arquipélago; e bernardo tocando (mas bem, muito bem, é minha única exigência) algum instrumento musical. claro que isso é projeção besta de pai – e nem em pensamento se trata de influenciar os dois para que realizem isso. Mas não deixa de ser um sinalzim dos tempos que as expectativas, um pai ali uma mãe ali, estejam mudando.
Clotilde,
Há cerca de quinze anos, quando fiz o vestibular, passei para direito aí em Natal, na UFRN e para Agronomia na UFPB. Obviamente, ninguém acreditou quando decidi fazer Agronomia e poquíssimos me deram algum apoio. Tive o mínimo de personalidade para perseverar em minha escolha, no entanto. Hoje trabalho como agrônomo, num emprego que só me tem dado satisfação, apesar do estresse eventual (às vezes mais que eventual) e que paga razoavelmente bem. Acima de tudo, tenho a impressão quase palpável de estar fazendo algo realmente útil para a sociedade, o que só vem acrescentar à minha satisfação com o que faço. E ainda dá para fazer um blog sobre o objeto de minha profissão. Sou feliz com meu trabalho.
Ótimo texto, Clotilde. Por isso que nas redações, principalmente com o pessoal acima dos 35, fala-se que essa é “a nossa cachaça”. Abração!
Para muitas pessoas realmente ainda é difícil imaginar algum trabalho que dê prazer. Penso que devemos unir o útil ao agradável: trabalhar no que gosta e onde dê um bom retorno financeiro. Discordo quando as pessoas dizem que o que vale mais é o dinheiro. Fazer algo que não gosta é extremamente sem sentido para mim. Algumas pessoas têm sorte em unir o útil ao agradável; outra, infelizmente não a tem. Procuro orientar quem está começando a profissão, como meus irmãos, primos, filhos de amigos, a fazerem aquilo que também dê prazer. Todo trabalho tem os pontos positivos e negativos, nada é perfeito, mas trabalhar no que gosta é maravilhoso.
Eu amo o que faço e não consigo me imaginar fazendo outra coisa.
Abraços
Gláucia Quênia
Incrível esse tema, Clotilde!
Acho que é um grande achado poder trabalhar com aquilo que se gosta. A paz no coração é a melhor recompensa.
Penso que a época que vivemos, é um período de reflexões e profundas mudanças, incluindo aí, aquelas relacionadas ao modo como nos relacionamos com o trabalho.
É isso mesmo. Muita gente reclama dessa idéia do trabalho prazeroso, alegando que não é bem assim, que não existem opções etc e tal. O que também é verdade. Mas, o que impede uma pessoa de gostar do que faz? Se você não pode ter o melhor emprego do mundo, trate de descobrir o que de melhor há no seu trabalho. E por aí vai…
Nossa cultura ainda é que “tem que trabalhar duro, para vencer na vida”. Daí você vê um monte de gente ralando e vivendo na mesma. Quando vê alguém de “sucesso”, esses são os primeiros a dizer: “foi sorte”, “ah! com um trabalho desses, até eu!” e outras coisas do tipo. E por aí vai…
E, enquanto isso, as “mulheres de vida fácil” vão trabalhando…
Assunto bom, e bem elaborado pela autora.
Bjim e até o próximo!
Eu passei 30 anos para descobrir o trabalho que me daria prazer.. mas, encontrei! =) É isso aí!!
Passei 35 anos trabalhando em auditoria, e eu detesto contabilidade. Às vezes eu dizia a mim mesmo que continuava pelo salário, outras vezes a desculpa era estar servindo à sociedade, mas no fundo era acomodação mesmo. À noite eu dava aulas de Filosofia por uma salário ínfimo, mas era algo de que eu gostava.
Hoje, demitido das aulas e aposentado das auditorias, faço o que gosto: ler e ver televisão.
É a vida…